segunda-feira, 23 de maio de 2016

Casaco preto

O casaco mais pesado do armário foi convidado a se retirar. Era preciso dar uma volta pela madrugada - não que quisesse, não que achasse que perambular por aí fosse melhor que ficar na cama, mas o telefone assim obrigou. E lá se foram os dois. O casaco preto combinava com a escuridão daquela noite sem estrelas. Nem a lua ela foi capaz de enxergar.

Na verdade, não estava enxergando direito desde que o telefone tocou, alguns minutos atrás. E também não respirava muito bem. Então descer as escadas do prédio foi uma tortura. Um pouco porque não respirava, o outro pouco porque sua visão não funcionava mais.

Esperar o táxi naquela escuridão... ainda bem que táxis são brancos. Com a voz embaralhada - agora nem falar mais ela conseguia -, disse apenas:

- Para o hospital, por favor.

E aquela foi a corrida mais longa que ambos, a moça e o taxista, fizeram na vida inteira.

O inverno estava cruel. E aquele telefonema a fez sentir que algo sempre morre no inverno.

Mas algo sempre renasce na primavera. E talvez ela renascesse de novo, depois dessa longa noite, fria e escura.

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