quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pele de cordeiro

Levantei quando o noticiário já estava passando na TV. A viagem tinha sido cansativa até. Acendi um cigarro, sentei na cama e liguei a televisão. O casal de apresentadores contava, perplexo, sobre um crime na noite passada. "Uma verdadeira tragédia", diziam eles, "quatro vidas interrompidas por um psicopata frio e calculista". A família vivia no interior, mas era gente próspera, como os economistas gostam de falar. "Esse monstro merece pena de morte", esbravejavam com a boca cheia de ódio e os olhos brilhando em fúria, "é um desalmado e cruel, frio e desumano! Não podemos deixar que nossa sociedade conviva com alguém tão torpe assim!".

Eu estava em Miami. Hotel de frente pro mar. Continuei ouvindo a reportagem, mas levantei da cama e fui observar as ondas quebrando na praia.

Aí falaram sobre o suspeito mais uma vez. Voltei-me para dentro do quarto. Não havia uma identidade. Sabiam apenas que deveria ser "alguém alto e forte", devido à profundidade e à inclinação dos cortes nas vítimas. Fiquei curioso para ver a cena do crime, mas não mostraram. Queria ver a quantidade de sangue, já que era um casal e dois filhos - um adolescente e um bebê de colo. Quem teria limpado aquilo tudo?

Joguei meu cigarro pela janela. Acendi um charuto, e desliguei a TV quando a notícia chegou ao fim. Fui até a minha mala e peguei o capacete que eu uso quando jogo futebol. Fiquei admirando o brilho.

Deitei de novo na cama. Estava cansado. Mas me senti encantadoramente lisonjeado com todos os adjetivos que usaram sobre mim na TV.

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